Valor Econômico - Como não pensar em trabalho no fim de semana
- Renata Rivetti

- 24 de ago.
- 5 min de leitura
Especialistas em RH e executivos de alta performance afirmam que é preciso intenção e disciplina para se desconectar da agenda profissional

É sábado à tarde na sala de cinema e você lembra de um número que faltou no relatório trimestral que precisa entregar para a diretoria. À noite, na hora do jantar, pensa como vai remanejar a equipe quando um dos gerentes sair de férias na semana seguinte. No domingo, vendo a série favorita, perde o fio da história porque divagou sobre o que vai dizer na reunião de apresentação de resultados, na segunda de manhã.
Nem sempre é possível se desconectar da agenda corporativa no final de semana, mas os dias de folga precisam ser dedicados à descompressão e ao lazer, segundo especialistas e lideranças ouvidas pelo Valor.
“Profissionais que não conseguem se desligar do trabalho têm até 30% a mais de sintomas de exaustão do que as outras pessoas”, alerta Renata Rivetti, especialista em ciência da felicidade, baseada em um estudo publicado no “Journal of Occupational Health Psychology”, periódico da Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês). “Construímos uma sociedade que não entende o poder das pausas, essenciais tanto para o bem-estar e a saúde mental, quanto para manter a produtividade.”
Na avaliação de Rivetti, que acaba de lançar o livro “O poder do bem-estar - Um guia para redesenhar o futuro do trabalho” (Ed.Objetiva, 160 págs.), é preciso ter a “intenção” para se desligar do trabalho no final de semana. O primeiro movimento para isso, segundo ela, é ficar longe do celular e do notebook da empresa.
“Depois, busque atividades que preencham a ansiedade ou o vazio de não estar conectado e produzindo”, aponta. As sugestões incluem ocupações prazerosas ou de baixo esforço cognitivo, principalmente para quem ocupa funções que exigem muito foco e concentração, continua. “É fundamental fazer um exercício físico, pintar, buscar a natureza.”
A especialista chama a atenção para a importância de recorrer às conexões pessoais. “O final de semana é para estar com as pessoas que amamos, construindo laços ainda mais significativos”, diz.
Evitar que as preocupações da empresa não interfiram nos dias de ócio depende também de uma melhor gestão de tempo durante a semana de trabalho, acrescenta Rivetti. “Planeje a semana”, orienta. “[Identifique] o que é urgente, o que é preciso fazer e o que pode ser agendado para um outro momento.”
A ideia, diz ela, é “chegar” na sexta-feira e concluir: “cumpri o que tinha de ser feito”. “E não achar que daremos conta de tudo, porque, de fato, não vamos conseguir”, afirma. “Trata-se de uma mudança na forma de se relacionar com o trabalho.”
Investir nos “combinados”
Júlia Gianzanti, psicóloga especialista em RH e autora do livro “Accountability - A competência essencial para transformar sua vida” (Ed. Labrador, 144 págs) lembra que há uma tendência na cultura brasileira de valorizar o esforço ao invés da eficiência.
“Basta pensar no colega que menciona que precisou trabalhar no final de semana”, exemplifica. “Ao invés de refletirmos sobre por que ele gastou mais tempo do que o planejado nos dias úteis, enaltecemos o empenho dele [de perder os dias de folga].”
A principal pergunta que devemos fazer ao ligar o computador nas horas de relaxamento é “por que me permito estar nessa situação?”, questiona. Para experimentar o período de repouso na totalidade, a dica de Gianzanti é investir nos “combinados” antes da semana acabar.
“Verifique o que levou você a trabalhar no final de semana. Faltou uma conversa com o chefe?”, pergunta a mestre em gestão de negócios. “Pense como negociar prazos de entrega e organizar melhor as atividades para não se sobrecarregar.”
A psicóloga recomenda ainda ações rotineiras como não dizer “sim” para todas as solicitações do ambiente profissional e não priorizar sempre o trabalho, abrindo mão da rotina pessoal.
“Aceitar demandas sem alinhar expectativas de prazo ou sem compreender a importância da tarefa recebida pode fazer você assumir compromissos desnecessários”, diz. “Proponha negociações que gerem alternativas ao acúmulo de afazeres.”
Da mesma forma, é essencial se posicionar quanto aos limites das atribuições profissionais que atrapalham as necessidades pessoais, acrescenta. “O seu filho não vai ter outro jogo no próximo final de semana só para que você possa participar”, diz.
Mente treinada
Mesmo com uma agenda repleta de atividades, Marizeth Carvalho, presidente para a América Latina Sul da PPG, gigante do setor de tintas e revestimentos, defende que descansar no final de semana não é um luxo, mas uma necessidade.
“Precisamos de equilíbrio para sustentar o ritmo e a qualidade das entregas ao longo da semana”, afirma. Quando não nos desconectamos, entramos em um ciclo de ansiedade improdutiva, analisa. “Passamos horas pensando em trabalho quando, na prática, não há muito que possa ser resolvido fora do expediente – os colegas não estão disponíveis e não haverá respostas imediatas. É um hábito que gera desgaste, sem resultados efetivos.”
A receita da executiva, com mais de 35 anos de experiência na indústria de tintas, é se organizar para ter um fim de semana proveitoso. “Estar em contato com a natureza é uma forma poderosa de se desconectar”, garante. “Sempre planejo atividades que me permitem mudar o foco, como cozinhar, estar com amigos ou escutar música.”
Ela lembra que mais importante do que a atividade de lazer escolhida é “treinar” a mente, a fim de desfrutar da folga de maneira integral. “É algo que passei a experimentar com a prática da ioga”, revela. “Reduz a ansiedade e nos lembra que a vida não se limita ao ambiente corporativo.”
Mas quando, por força da urgência das obrigações, o trabalho no final de semana é inevitável, Carvalho recomenda reservar um tempo, com início e fim definidos, para cumprir a demanda desejada.
“Isso ajuda a reduzir a sensação de que ‘estamos sempre trabalhando’”, ensina. “Quando sabemos que teremos um espaço delimitado para tratar de um assunto, fica mais fácil deixar de lado o pensamento sobre o trabalho, que surge em meio ao lazer, e viver o momento presente.”
Atenção e disciplina
Para o advogado especialista em direito imigratório Murtaz Navsariwala, fundador e CEO do escritório Murtaz Law, pequenas ações podem fazer a diferença para preservar o descanso merecido.
“Como trabalho 100% remoto, preciso ser disciplinado para separar o que é trabalho e o que é tempo pessoal”, afirma. No fim do expediente, faço questão de sair do ambiente onde trabalho, mesmo que seja só para ir até a sala de casa, argumenta. “Essa mudança de espaço ajuda o cérebro a ‘entender’ que a produção terminou.”
Há mais de uma década no ramo de imigração para os Estados Unidos, Navsariwala sabe que o tema, por conta das últimas ações do governo americano, não escolhe dia para exigir atenção.
“Nessa área, é difícil se desligar completamente”, afirma. “Checo os e-mails urgentes, mesmo no fim de semana.” A solução para conseguir pausar, segundo ele, combina atenção e disciplina.
“O que funciona [para não perder os finais de semana] é ter um horário definido para verificar as mensagens. Dou uma olhada pela manhã e no fim da tarde. Fora desses momentos, evito ‘abrir’ qualquer coisa”, conta. “Também costumo sair sem o celular corporativo para garantir que vou me desconectar de verdade.”
O CEO acredita que a folga é um ingrediente essencial para manter o desempenho. “Um profissional tranquilo toma melhores decisões, encara a pressão de forma equilibrada e lidera com clareza”, analisa. “Descansar não é parar – é um movimento que permite continuar ‘entregando’ em alto nível.”



