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VivaBem - 'Parece que hoje é proibido ficar triste', diz pesquisadora de felicidade


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Por que alguém resolve estudar a felicidade? Será que ela precisa ser estudada? E pode ser aprendida e ensinada? Na verdade, a psicologia tem uma sub-área que estuda o tema: a psicologia positiva. E foi após frustrar-se no mercado de trabalho que Renata Rivetti resolveu esmiuçar o que a ciência já conseguiu provar sobre felicidade.


Renata. que também é palestrante e consultora, tem pós-graduação em psicologia positiva (PUC-RS) e especialização em estudos da felicidade (Happiness Studies Academy). Este mês lança o livro "O Poder do Bem-Estar: um Guia Para Redesenhar o Futuro do Trabalho" (Companhia das Letras).


Em conversa com VivaBem, a pesquisadora falou sobre positividade tóxica, a armadilha de buscar a alegria nas redes sociais e a ditadura da felicidade: "Parece que é proibido ficar triste". Abaixo, confira a conversa completa:


VivaBem: Por que você resolveu estudar felicidade?


Renata Rivetti: Foi uma busca muito pessoal. Me formei em administração pública, porque queria trabalhar com impacto social. Mas logo depois entrei como trainee em marketing numa grande multinacional. Aos poucos fui conquistando tudo aquilo que, do ponto de vista externo, era considerado sucesso: promoções, viagens, bônus.


Só que, mesmo com tudo isso, comecei a me sentir vazia. Me perguntava: 'É só isso? Essa é a vida que quero levar pelos próximos 30 anos?'. Foi angustiante.

Busquei respostas no voluntariado, na espiritualidade, em projetos paralelos. Até que descobri que existia uma ciência que estudava a felicidade: a psicologia positiva. Aquilo me fascinou. Era algo sério, com base científica, que falava de propósito, de bem-estar, de relações humanas. Fui estudar, me formei internacionalmente na área e, quando percebi, compartilhar esse conhecimento já tinha virado parte do meu propósito. A Reconnect [empresa de Renata] nasceu desse movimento.


A espiritualidade tem um papel importante nessa busca por sentido?


Com certeza. Não estou falando aqui de religiosidade obrigatoriamente, mas de espiritualidade como uma sensação de pertencimento a algo maior. Algo que traga significado. Pode ser fé, mas também pode ser o sentimento de conexão com a natureza, com a coletividade, com uma causa. A espiritualidade ajuda a tirar o foco só do "eu" para pensar no "nós".


Gosto muito da definição do Arthur Brooks, de Harvard: ele diz que felicidade é uma combinação entre alegria, satisfação e significado. A sociedade moderna dá muita ênfase na alegria —no prazer imediato, na dopamina— e se esquece da importância do significado. E aí vem o vazio. O significado pode estar no cuidado com os filhos, no voluntariado, no trabalho com propósito. Mas é preciso parar para olhar pra isso, senão a gente entra no piloto automático e vai só sobrevivendo.


Falando nisso, em tempos de redes sociais, vivemos obcecados por dopamina rápida. Isso impacta nosso bem-estar?


Sim, e muito. Essa necessidade de gratificação instantânea está moldando uma sociedade impaciente, ansiosa, sempre em busca de mais estímulo, e cada vez menos satisfeita.


Estamos o tempo todo buscando pequenas doses de prazer: likes, séries, compras, vídeos curtos. É uma busca que nunca se completa, porque o prazer da dopamina é passageiro. E isso contribui para a sensação de cansaço, de vazio e até de tristeza crônica.

Além disso, vivemos sob uma espécie de 'ditadura da felicidade'. Como se fosse proibido ficar triste, com raiva, ou se sentir frustrado. Mas essas emoções fazem parte da vida. Quando a gente tenta anestesiar a dor o tempo todo, a gente também bloqueia a capacidade de sentir alegria genuína. É importante aprender a lidar com as emoções difíceis. Elas são mensagens importantes sobre quem somos e o que precisamos.


Isso se conecta com a ideia de positividade tóxica?


Completamente. A positividade tóxica é esse discurso de que 'vai dar tudo certo', 'pense positivo', 'seja grato', mesmo quando a pessoa está claramente sofrendo. Isso invalida a dor do outro e pode ser muito cruel, especialmente para quem já está vulnerável. A pessoa sente que, além de estar triste, está 'errada' por se sentir assim.


Muita gente hoje está exausta de tentar performar felicidade o tempo todo. Fazem meditação, tomam banho gelado, vão à academia, seguem todas as dicas das redes —e ainda assim se sentem infelizes. Porque não estão olhando pra dentro. A felicidade de verdade tem mais a ver com conexão, significado, aceitação da imperfeição. Não é um check-list de hábitos.

Hoje em dia, estamos mais conectados, mas também mais solitários. Isso afeta mais as mulheres?


Sem dúvida. A solidão é uma epidemia silenciosa que afeta de forma mais profunda mulheres, jovens e pessoas de grupos minorizados. No caso das mulheres, ainda mais as que acumulam múltiplas jornadas --casa, filhos, trabalho-- a sensação de isolamento emocional é muito comum. Elas cuidam de todo mundo, mas muitas vezes não têm com quem contar.


A ciência já mostrou que as relações são o principal fator de felicidade. O famoso estudo de Harvard, que acompanha pessoas há mais de 80 anos, concluiu que o que mais impacta o bem-estar ao longo da vida não é dinheiro, fama ou sucesso, mas a qualidade dos vínculos humanos. Só que hoje, muita gente não tem com quem desabafar. A gente se acostumou a viver sozinha, ser forte o tempo todo. Isso cobra um preço.


E o tal do propósito de vida? Ele ajuda ou virou mais uma cobrança?


O propósito é uma das grandes forças da felicidade, mas precisa ser ressignificado. Hoje ele virou quase uma obrigação: se você não descobriu o seu propósito, parece que está falhando. E isso pode gerar angústia.


Só que o propósito não precisa ser algo grandioso. Não é todo mundo que vai mudar o mundo. Às vezes, o seu propósito está em cuidar dos seus pais, em acolher alguém, em fazer o seu trabalho com carinho e ética.

Tem uma pesquisa linda feita em Yale com faxineiras de hospital. Elas diziam que estavam ali para curar pessoas porque mantinham o ambiente limpo, conversavam com os pacientes, traziam conforto. Já os médicos da mesma instituição diziam que estavam ali apenas para ganhar dinheiro. Ou seja, o propósito está no olhar, na intenção. E isso muda tudo.


Como você encontrou o seu propósito?


Na prática, aconteceu quando comecei a questionar o estilo de vida que levava. Gostava do meu trabalho na empresa, mas algo não fazia mais sentido. Queria contribuir de outra forma. Fui me aprofundar nos estudos sobre felicidade e bem-estar, e percebi que podia levar esse conhecimento para dentro das empresas. Comecei a dar palestras, a formar lideranças mais conscientes. Hoje, sinto que planto sementes em cada lugar por onde passo. E isso me basta. Não preciso de um palco gigante, basta ver pequenas transformações acontecendo.


E quando a pessoa está em um ambiente tóxico, principalmente de trabalho, mas não pode sair?


Essa é uma realidade de muitas mulheres. Não dá pra dizer só 'saia' quando há boletos, filhos, insegurança. Nesses casos, meu conselho é: se proteja. Crie uma bolha de autocuidado. Tente manter seus vínculos fora do trabalho, se fortaleça emocionalmente, cultive algo que te dê prazer --mesmo que pequeno. Um hobby, um grupo de apoio, uma terapia.


E nunca se esqueça: o problema não está em você, está no ambiente. Você não é fraca por estar cansada. Pelo contrário, está sendo forte por resistir.

Também é importante lembrar que ambientes saudáveis existem. Mesmo que pareça difícil, vale buscar alternativas aos poucos. Atualizar o currículo, estudar, conversar com outras pessoas. Nem sempre dá para sair de imediato, mas cultivar essa possibilidade já traz esperança.


Cada geração encara a felicidade de um jeito?


Sim. A geração X cresceu com a ideia de que sucesso era estabilidade, status, cargo alto. Muitos hoje estão revendo essa lógica e se perguntando se valeu a pena.


Já os millennials passaram a valorizar mais as experiências, a flexibilidade, o propósito, mas também estão exaustos, muitas vezes frustrados com a instabilidade do mundo e as pressões das redes.


A geração Z, por sua vez, já nasce questionando tudo. São mais críticos, mais conscientes, mas também muito ansiosos e sobrecarregados. Sofreram os efeitos da pandemia logo no início da vida adulta, cresceram no meio de múltiplas crises, climática, econômica, emocional. Eles querem mudar o mundo, mas às vezes se sentem paralisados. Precisam de apoio emocional, de referências humanas, de espaços mais acolhedores para se desenvolver.


E pra fechar: dá pra ser feliz a vida inteira?


Acredito que sim, mas não no sentido de estar alegre o tempo todo. Isso é impossível e até indesejável.


A felicidade plena não é ausência de dor, é presença de sentido. É conseguir viver de forma mais consciente, com boas relações, com escolhas que fazem sentido pra você.

Mesmo nos momentos difíceis, dá para sentir paz, gratidão, conexão. A felicidade verdadeira é mais silenciosa, mais leve e muito mais real.


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