Empresário de varejo na China permite a funcionário essa nova licença; especialistas avaliam a novidade e falam sobre possibilidade no Brasil
Nos últimos anos, muitas mudanças surgiram no mercado de trabalho, na esteira das reformulações provocadas pela pandemia. Trabalho remoto, híbrido, semana de 4 dias. São muitas as fórmulas para lidar com os funcionários, e os diversos problemas mentais que vieram à tona após esse período. Mas agora uma medida surgida na China começa a chamar atenção dos especialistas: a “licença por infelicidade”.
A nova política, instaurada pela rede de varejo chinesa Pang Dong Lai, prevê que o trabalhador possa tirar um dia de folga quando estiver estressado, triste ou desanimado, mesmo sem aprovação da liderança. O fundador da varejista, Yu Donglai, disse querer dar liberdade aos funcionários para que, se não estiverem felizes, não irem trabalhar. Essas folgas são limitadas em 10 dias por ano e tem como objetivo permitir que o funcionário tenha um equilíbrio melhor entre a vida profissional e a pessoal.
O assunto chamou atenção, especialmente porque os chineses são considerados um povo que não externa seus problemas, além de serem muito aplicados no trabalho. Só para se ter uma ideia, a empresa de Donglai tem mais de 7 mil funcionários e conta com uma jornada de trabalho mais curta que suas parceiras, com sete horas por dia. Os empregados também folgam aos fins de semana e têm direito de 30 a 40 dias de folga remunerada por ano, e cinco dias de folga durante o Ano Novo Chinês, como falou o empresário durante o evento China Supermarket Week 2024.
Mudanças no mercado de trabalho
Entretanto, as novas experiências de trabalho têm surgido com mais intensidade em países mais abertos, como ocorreu com a semana de quatro dias, que foi criada na Nova Zelândia em 2019 e já se espalhou por vários países da Europa, África e Américas. Sob a gestão do movimento 4-Day Week Global, uma comunidade sem fins lucrativos, a jornada reduzida vem fazendo escola e já contou até com projeto-piloto também no Brasil, capitaneado pela Reconnect Hapiness at Work, parceira do 4-Day Week Global.
A fundadora da Reconnect, Renata Rivetti, avaliou que medidas como a “licença por infelicidade” são bem-vindas, por beneficiar os colaboradores. Mas frisou que é preciso tomar cuidado com ações paliativas, que tratam apenas o sintoma, mas não vão à raiz do problema. “Se as pessoas estão infelizes, é preciso saber o que provoca aquilo. Se não há uma sobrecarga, ou ambiente tóxico, ou desmotivação com o seu dia a dia. Não adianta a gente dar uma licença para elas saírem num dia e voltar no outro para o mesmo lugar que a adoece”, afirma.
Mas para a especialista em Recursos Humanos, Cinthia Martins, o importante é que cada vez mais se discute sobre o bem estar das pessoas e a necessidade de olhar para as elas como seres que precisam viver com qualidade de vida e bem estar no ambiente de trabalho. “Hoje se fala muito em sustentabilidade e isso vai além do meio ambiente, estando mais conectada à saúde”, diz. Cinthia acrescenta que a cultura oriental sempre foi de prevenção, diferente da ocidental, que deixa a doença se estabelecer e vai atrás quando aparecem os sintomas.
Para o advogado Sergio Pelcerman, sócio da área trabalhista de Almeida Prado & Hoffmann Advogados, apesar da discussão constante sobre saúde laboral e preservação social dentro do ambiente de trabalho é preciso ver também como é a legislação e quais são as responsabilidades desse trabalhador junto a coletividade. “Por isso, no Brasil temos as férias e até mesmo afastamentos pelo INSS, no caso de problemas de saúde”.
Ele frisa ainda que a legislação brasileira prevê inclusive a possibilidade de indenização judicial em caso de jornadas extenuantes, assédios em geral e em especial discriminações no ambiente de trabalho (com vertentes criminais).
Para a advogada Beatriz Tilkian, sócia da área de Direito Trabalhista no escritório Gaia Silva Gaede Advogados, ações como essa mostram a importância de que sejam adotadas medidas para que se evite que o profissional chegue ao esgotamento físico e mental.
“Recentemente, foi aprovado um novo texto da norma regulamentadora nº 1 do Ministério do Trabalho e Emprego, que entrará em vigor em 26 de maio de 2025, determinando justamente a necessidade do gerenciamento de riscos ocupacionais, abrangendo não apenas os riscos com agentes físicos, químicos, biológicos e de acidentes, mas também os relacionados aos fatores ergonômicos e psicossociais no trabalho”, explica a Tilkian.
Veja quais são as licenças previstas no Brasil
A advogada Roberta Dantas Ribeiro, sócia CGV Advogados, lista abaixo quais são as licenças remuneradas previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
Licença-maternidade e licença-paternidade:
A licença maternidade é de 120 dias, nos termos do artigo 392 da CLT (capítulo que prevê a proteção da maternidade). A trabalhadora deverá comunicar ao empregador, mediante atestado médico, a data do início do afastamento do emprego, que deverá ocorrer entre o 28º dia antes do parto e a ocorrência deste. Cumpre destacar que a licença maternidade também será concedida em caso de adoção ou guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente (art 392-A da CLT).
Já a licença paternidade, nos termos do artigo 473, III da CLT, prevê que o trabalhador poderá se ausentar no prazo de 05 dias consecutivos na hipótese de nascimento do filho, adoção ou guarda compartilhada.
“Contudo, infelizmente, o Brasil, em que pese a alteração recente na legislação para ampliar o prazo de licença paternidade, ainda não avançou para contemplar a possibilidade de licença parental compartilhada ou exclusiva do pai e mãe, como outros países já garantem, a exemplo de Portugal (artigos 39 e seguintes do CT português)”.
Licença para casamento:
Licença remunerada de até 3 dias consecutivos, prevista no artigo 473 da CLT. A licença gala garante aos empregados o afastamento de três dias consecutivos de folga. Como a legislação não é precisa sobre a data de início do cômputo, a jurisprudência aponta que o início da contagem dependerá da data do casamento e dos dias de trabalho do empregado.
Licença para óbito:
Afastamento por falecimento conta com licença remunerada de até 2 dias consecutivos, prevista no artigo 473 da CLT. Conhecida como licença nojo, ela é restrita ao falecimento de cônjuge, ascendente, descente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sobre sua dependência econômica. Ou seja, não contemplaria, por exemplo, o óbito de tios, primos, sogra, sobrinhos, etc.
Licença médica:
Afastamento para tratar a saúde, com atestado médico válido por até 15 dias. Vale lembrar que a CLT não possui previsão específica para a licença médica. Contudo, outras legislações amparam essa previsão. A lei 605/1949 prevê na alínea “f” do artigo 6º que a ausência de prestação de atividade laboral por motivo de doença trata-se de motivo justificado. Além disso, parágrafo 2º do mencionado artigo aponta que a doença será comprovada mediante atestado médico. Ou seja, a licença médica terá correspondência com o período consignado no atestado médico do empregado.
Os 15 primeiros dias de afastamento são de responsabilidade do empregador, nos termos do §3º do artigo 60 da Lei 8.213/91. Neste sentido, convém destacar que o artigo 59 da Lei 8.213/91 aponta que o auxílio-doença será devido ao segurado quando ficar incapacitado por mais de 15 dias consecutivos, de modo que o afastamento a partir do 16º dia será custeado pela Previdência Social (artigo 60 da Lei 8.213/91).
Vale lembrar ainda que, desde 2022, a síndrome de burnout (termo inglês que se traduz como esgotamento profissional) ganhou nova e mais detalhada descrição na Classificação Internacional de Doenças (CID-11). Antes listada como uma condição de saúde, passou a ser descrita como um fenômeno ocupacional, associado ao fato de estar empregado ou desempregado e está elegível ao afastamento.
Licença para serviço militar obrigatório:
O afastamento para exercício de serviço militar obrigatório ou de outro encargo público está previsto no artigo 472 da CLT. Durante os primeiros 90 dias de afastamento, o empregado continuará recebendo normalmente a sua remuneração, nos termos do §5º do artigo 472 da CLT.
Licença para doação de sangue:
A situação em que o empregado pode faltar ao trabalho por um dia (sem desconto na remuneração) em virtude de doação de sangue está prevista no inciso IV do artigo 473 da CLT. A ausência do serviço ocorrerá por um dia (data da doação de sangue) a cada 12 meses. Ou seja, trata-se, na verdade, de um abono da falta justificada no dia da doação de voluntária de sangue mediante comprovação.
Licença eleitoral:
O empregado pode faltar ao trabalho, devendo apresentar comprovante do Tribunal Regional Eleitoral, para alistamento eleitoral, com previsão de folga por 02 dias consecutivos ou não, nos termos do inciso V do artigo 473 da CLT. Destaca-se ainda prazo para outros serviços eleitorais. Neste sentido, destaca-se o artigo 98 da Lei 9504/97 que aponta que “os eleitores nomeados para compor as Mesas Receptoras ou Juntas Eleitorais e os requisitados para auxiliar seus trabalhos serão dispensados do serviço, mediante declaração expedida pela Justiça Eleitoral, sem prejuízo do salário, vencimento ou qualquer outra vantagem, pelo dobro dos dias de convocação.”
Licença para comparecer a juízo:
A licença para o comparecimento em Juízo está prevista no VIII do artigo 473 da CLT e será concedida pelo tempo que se fizer necessário quando o trabalhador tiver que comparecer a juízo. O trabalhador deverá apresentar uma declaração comprovando a presença em compromisso judicial, como por exemplo, a declaração de comparecimento em audiência que geralmente registra o período que o trabalhador esteve à disposição da Justiça.
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